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Foto do escritorLarissa Brasil

Entrevista com Andrea Nunes - Autora de romance policial


Quando começou a escrever? O que a motivou?



Acho que a grande motivação de ser escritora é essa possibilidade da gente traduzir a vida em linguagem. Nós, os artistas e intelectuais da época contemporânea, temos uma grande responsabilidade, que é transformar todo esse assombro da vida de hoje em literatura. Inquietar, divertir, orientar e desorientar as pessoas . Meu maior medo é ter vivido em tempos tão turbulentos e não ser capaz disso. Além disso, a tarefa da ordem do dia é saber manter viva a poesia, o lúdico e o pensamento crítico.


Aos catorze anos concluí meu primeiro livrinho infantil. Papai e mamãe me deram a maior força, mas também deram a real que eu precisaria fazer uma escolha: filha de professores não tinha grana para publicar livro e fazer a viagem de 15 anos, que eu vinha há tempos combinando com algumas amigas. Eu não tive nenhuma dificuldade em fazer essa escolha. Esse mesmo livrinho acabaria por me dar dois prêmios bem legais,um como texto literário e outro como adaptação para o teatro, e eu descobri que nem toda menina precisa dançar com o príncipe no castelo da Cinderela para se sentir maravilhosa. No fim, debutar é mesmo um rito de passagem. A diferença é que, dessa passagem, eu escolhi um destino diferente, e nem por isso foi menos mágico.


Como é ser escritora no Brasil? Por que o gênero policial?

Aos onze anos, descobri os livros de Agatha Christie na estante da minha mãe. Comecei e não parei mais. Ter me tornado promotora de justiça ajudou a me familiarizar com o jargão e com os bastidores da criminalidade. Mas foi quando eu li no prefácio de A Bagaceira, de José Américo de Almeida (também promotor de justiça), que há muitas formas de se dizer uma verdade e que talvez uma das mais persuasivas seja contando uma mentira, eu compreendi a profundidade dessa frase: a ficção era uma linguagem muito eficiente para levar nossa mensagem às pessoas. Foi desse jeito que eu acabei usando o crime pra fazer o bem. Ser escritora no Brasil ainda é muito desafiador. Faltam oportunidades editoriais, visibilidade, estrutura e distribuição adequadas. Às vezes, dependendo de onde se more, falta até acesso ao básico para a formação do escritor, acesso à leitura e oportunidade de capacitação. Mas como dizia Dom Helder Câmara, quando os problemas são absurdos, os desafios são apaixonantes.



O que acredita que possa provocar nas pessoas com seu trabalho?

Eu costumo dizer que meus livros, apesar de recheados de polêmicas da vida contemporânea, não têm resposta pra nada. Mas ficarei imensamente feliz se, ao término da obra, meus leitores tiverem muitas perguntas a se fazer. O objetivo é justamente envolver, tirar da apatia.


Quem são seus leitores?

Quem tem o enxerimento de tentar escrever suspense erudito não tem um perfil específico de público, porque tem de escrever a narrativa “em camadas”: por trás de uma história pretensamente veloz, enredo enganosamente palatável, diluir provocações de ordem política, filosófica, científica e religiosa. Tenho leitores cativos entre estudiosos de Foucault ou fãs de Dan Brown. Blogs de conspiração e sites de literatura chick-lit divulgam resenhas de minhas obras por entenderem que cabem dentro do perfil de seus públicos. O Página Cinco mencionou um livro meu entre os melhores livros sobre política escritos nos últimos tempos. Na Dinamarca, palestrei para alguns estudiosos e críticos literários sobre a possibilidade de escrever alta literatura mesmo dentro do gênero policial. Em Portugal, conversei com as pessoas nas livrarias e universidades sobre autoria feminina contemporânea brasileira, que eles estavam ávidos para conhecer sobretudo porque o prêmio Camões havia sido dado a um brasileiro. Esse mesmo tema também interessou aos alemães, quando estive lá na Primavera Literária Brasileira. Na universidade da Sorbonne, na palestra que proferi lá, a curiosidade já era sobre a possibilidade de debater ética política numa obra policial, e indagaram também como a obra trazia a possibilidade de entender os fenômenos contemporâneos do nosso país mediante a mistura de ficção e realidade. Daí se vê que não há público específico, os leitores são realmente diversificados em seus interesses e expectativas.


Brasileiro gosta de ler policial?

O gênero policial é uma literatura acessível, e normalmente tem entre seus títulos os chamados best-sellers, não só no Brasil como no mundo inteiro. O que nós temos de peculiar é que o Brasil consome mais literatura policial estrangeira do que brasileira. Isso se dá por diversos fatores, que vão da falta de apoio ao autor nacional pelo mercado editorial e livreiro, até a ausência de uma quantidade maior de obras policiais que explorem o cotidiano nacional. Já temos alguns autores que aproveitam a brasilidade em suas obras, mas temos uma riqueza de cenários, de cultura e até mesmo de modalidades de crimes permeando a realidade do nosso país que ainda é pouco o que se produz nesse sentido, é preciso desenvolver melhor a identidade do romance policial nacional e sua relação com o público leitor.



Como vê o futuro da literatura no Brasil?

Estamos passando por uma crise sem precedentes no mercado editorial e livreiro, em grande parte por conta da pandemia, em certa medida também pelo desmonte do investimento na cultura no nosso país. Apesar disso, há sopros de renovação quando vemos Cida Pedrosa, uma mulher nordestina, levar dois prêmios no Jabuti, entre eles o de livro do ano. A interdisciplinaridade entre linguagens literárias ganha a cena, com um esforço para a visibilidade da a poesia marginal, o slam e o cordel, tudo junto e misturado, e as descobertas da literatura de autoria negra e LGBT enriquecendo o caldo de alteridades. Percebe-se também um certo interesse da indústria audiovisual em apostar em autores nacionais, sendo que ainda se sofre a retração de investimentos pela incerteza do mercado cinematográfico.


O que você espera de 2021?

2021 é um ano de recomeços: no plano pessoal, tenho um romance policial recém-escrito, cuja revisão ortográfica devo começar ainda esse mês, para então procurar uma casa editorial. Meu projeto portanto é viabilizar o caminho desta publicação. Como o resto do mundo, espero também a contenção da pandemia e a consequente retomada da vida em comunidade, com a volta dos eventos culturais que tanto nos fazem falta. Ir a lançamentos de livros de amigos, feiras e eventos de literatura, essas coisas antes tão corriqueiras que agora viraram sonho de consumo.


Andrea Nunes é Promotora de Justiça em Pernambuco, membro da Associação Brasileira de Escritores de Romance Policial, Suspense e Terror - ABERST, e membro da Academia Feminina de Letras e Artes da Paraíba. Publicou os romances policiais o Código Numerati em 2010, A Corte Infiltrada, (Prêmio Bunkyo de Literatura 2019) e Jogo de Cena (Prêmio ABERST de Literatura 2019). Andrea também recebeu a menção honrosa no prêmio Dulce Chacon da Academia Pernambucana de Letras- melhor escritora nordestina (2015). Participou da Printemps Littéraire Brésilien , a convite da Universidade da Sorbonne, palestrando sobre literatura entre os anos de 2015 a 2017 nas universidades da França, Alemanha e Portugal, e foi convidada pela Universidade de Kopenhague e pelo grupo de estudos em literatura brasileira contemporânea para o VII Colóquio internacional sobre literatura brasileira contemporânea, realizado em 2018 na Dinamarca, onde proferiu palestra sobre a literatura policial brasileira. Foi ainda indicada pelo colunista e escritor Raphael Montes como um dos sete novos autores brasileiros para ler e se divertir, na sua coluna no jornal O Globo do dia 17.07.2017. Em 2017, Andrea contribuiu com a coluna Realidade Alternativa da revista Superinteressante com o conto policial "Querido obituário".

Em 2018, Andrea Nunes foi uma das palestrantes do Porto Alegre Noir, primeiro evento brasileiro dedicado à literatura de suspense realizado no Rio Grande do Sul. Participou da programação oficial da Bienal do livro de Pernambuco com o bate-papo “O pos-colonialíssimo e a nova literatura policial brasileira”, com o jornalista Ney Anderson, que apontou o seu livro Jogo de Cena como um marco do pós-colonialismo na literatura policial brasileira. Andrea também palestrou em São Paulo em 2019 sobre a representação da morte na Literatura, no evento HorrorExpo, a maior feira de suspense e horror da América Latina.


Siga a autora no instagram : @andreafnunes


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